quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O ano passado em Marienbad, Alain Resnais

Veneza 61 (...) foi dominado muito claramente por O ano passado em Marienbad, e é justo que o filme de Resnais tenha obtido o grande prêmio. (...) Se por um lado eu reconheço a perfeição do trabalho de Resnais, por outro eu confesso ser, cada vez mais, violentamente contra o princípio que preside sua concepção. Eu não acredito na penetração da câmera no mundo mental. Aí está a fonte de todas as arbitrariedades. Nada é mais inquietante que ver desenrolar-se diante de si a representação da consciência vivida, interpretada e entregue segundo uma lógica objetiva. Há aí uma contradição interna entre a forma do filme que se apresenta como um jogo puramente espirituoso, e seu objetivo que é de explorar as regiões misteriosas do imaginário. Ora, eu acredito que é principalmente no cinema que se deve aplicar este programa que Baudelaire assinava na pintura: trazer a tona o que há dentro pelo que há fora. Estimo que um Mizoguchi ou um Lang tenham indo mais longe no imaginário que todos os Maffenbad do mundo, e suas obras permanecem abertas, ao passo que o filme de Resnais se fecha e limita-se a si mesmo.

No fundo, Marienbad não é nada mais que uma versão moderna, talentosa, inteligente, de uma extrema beleza, e tudo mais o que se queira, de Caligari. De forma similar, e porque nos é necessário penetrar no mundo mental, a deformação das aparências é exigida. Em Marienbad, esta deformação toma corpo, certamente, mais sobre o tempo que sobre o espaço, mas isto não impede que se trate de um cinema inteiramente fundado sobre a deformação, os procedimentos e as trucagens. O "Tout-Cinéma 1925" parece ter se encontrado voluntariamente neste hotel frio, lúgubre, sinistro, por onde circulam fantasmas: o expressionismo caligaresco margeia um surrealismo que ousa, ele, na falta dos personagens, dizer seu nome, e a montagem por atração à la Eisenstein, que faz de cada plano um bloco estático, corteja o cinema puro onde os movimentos de aparelho são desprovidos de qualquer função que não aquela da sensação que procuram. Só falta o cinema-olho, abandonado para Jean Rouch. Por que milagre, dito isto, os erros do passado se tornariam hoje virtude única? A via de Resnais é aquela dos "grandes à margem" do cinema: Eisenstein ou Welles. Assim que ela atinge tal nível, ela é em si admirável. Mas em si somente. O pior dos cineastas, se inspirado nos princípios cinematográficos de Lang, Hawks, Walsh, etc., fará um mau filme, mas visível. Ao contrário, um filme influenciado por Resnais tem toda a chance de ser invisível e insuportável. Quantos filhos de Hiroshima, idiotas e monstruosos, nós já não temos a lamentar? No entanto, estes serão anjos de beleza em comparação com os filhos de Marienbad.

JEAN DOUCHET (Trecho da cobertura do festival de Veneza de 1961)
Texto contido nas páginas 198-200 do volume 78 da coleção Petite anthologie des Cahiers du cinéma: Jean Douchet "L'Art d'aimer". Tradução feita por José Roberto Rocha.

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