quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Uma Lucidez Viril


Sabemos que há muito tempo alguns amadores tenazes, todos colaboradores ou simpatizantes desta revista[1], afirmam que Raoul Walsh, velho cineasta lotado de obras, é um dos principais criadores de uma arte cuja novidade não favorece o entendimento. É preciso, para compreender as razões de um tal julgamento, ter visto com os olhos da maior exigência e igualmente da maior simplicidade filmes como Gentleman Jim, Colorado Territory, Pursued ou The Naked and the Dead, que constituem tão-somente o exercício da nobreza e do natural, esse “tão-somente” representando a forma da mais alta ambição de um artista. Se o acordo de um gesto e de um espaço é a solução e a conquista de todo problema e de todo desejo, a mise en scène será uma tensão rumo a esse acordo, ou sua imediata expressão. A arte é uma conquista de si mesmo, primeiramente, e do mundo, se possível; daí três condições necessárias: um método rigoroso, um orgulho sem o qual nada de vasto é concebido ou sequer tentado e um grande respeito pelo verdadeiro. Que uma dessas três condições apresente falha, e a obra carecerá do equilíbrio indispensável à sua função e à sua eficácia.
Da produção imensa e sem igual de Walsh, um certo número de filmes se destaca, que responde a essas idéias e mesmo as provoca. Seu respeito da realidade, o cineasta o definiu colocando o princípio de que há apenas uma forma de pôr em cena um dado personagem em uma dada situação. Isso equivale a dizer que a organização ideal da matéria visível e sonora em função das premissas livremente estabelecidas pelo roteiro possuiria um caráter de necessidade incontornável análogo à ebulição da água a cem graus. Compreendemos que o reconhecimento, a descoberta dessa solidez dos fenômenos no seio de sua própria criação, exige do artista a liberdade e a clareza de espírito totais: as chances de erro, em vista da única verdade, são infinitas. O orgulho está na busca dessa verdade, mas é a humildade que a encontra. Fazer-se completa transparência, olhar puro, poroso aos fenômenos, é a sabedoria do classicismo e o segredo de uma juventude inalterada.

Quanto ao método, ele é simples; ainda assim é preciso a ele se ater. Não mostrar de uma cadeia de eventos senão o indispensável a seu desenvolvimento e sua compreensão; mostrá-lo da forma mais direta; sempre permanecer ligado ao centro. Construir, em outros termos, uma arquitetura cuja beleza global nasce da exatidão do papel atribuído a suas partes.
A arte de Walsh é clássica naquilo que ela manifesta e impõe, para além de toda crispação, a virtude de uma impassibilidade soberana invisivelmente atrelada aos reflexos da elegância, da raça, da nobreza física e moral. A lucidez viril de seu propósito não é do domínio dos conformismos demagógicos, mas, diferentemente, de uma continuidade profunda da aristocracia do coração.

Michel Mourlet

[1] Présence du Cinéma
Traduzido por Luiz Carlos Oliveira Júnior.

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