sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Acossado, Godard

Tudo ou quase é tomado de empréstimo neste pálido decalque do filme noir americano:o assunto, o gênero e o tema tirados do cinema hollywoodiano,a atriz Jean Seberg, retomada tal e qual no Bom dia tristeza, de Preminger. Apesar disso, o filme será considerado uma revolução no cinema francês ankylosé ( enrijecido, paralisado) da época. No plano material e financeiro, o fato de que tenha custado três ou quatro vezes menos que um filme médio e feito um sucesso imediato e considerável lhe valeu uma corte de imitadores. No plano visual, seu estilo “rascunho” ( brouillon), brutal, que suprime- é esta sua principal inovação- as ligações tradicionais da narrativa cinematográfica ( ouverture au noir, fade in, fade out) vai aparecer como a própria imagem da juventude cinematográfica. Em relação ao assunto, os “jovens”, entidade vaga e disseminada, vão se tornar por um longo tempo o tema principal das ficções do cinema francês. Claro, o cinema francês, atolado na ditadura de seus metteurs em scéne quinquagenários e sexagenários ( geralmente talentosos), em sua rigidez sindical e profissional, tinha com certeza necessidade de um banho de Juvência ( Juventude).
Mas sem dúvida o remédio foi pior que o mal. Todos os elementos constitutivos da mise em scéne foram afetados. A ausência de preparação e construção no roteiro vai debilitar todas as histórias ( a de Acossado, por exemplo, é exangue). A filmagem sistemática em externas vai aniquilar, pouco a pouco, com a vida dos estúdios. A foto de estilo “reportagem” tornará caduca- por um certo tempo- toda pesquisa nesse domínio. Apenas a chegada como “vedette” de Jean Paul Belmondo pode ser considerado um elemento inovador. Passando em seguida e sem esforço do filme “de autor” ao cinema comercial, quebrando as divisões e categorias convencionais, Belomondo preparará o caminho para um tipo de ator polivalente, para o qual Dépardieu fornece hoje o modelo.
Com o mesmo approach agressivo e glacial do real, Godard consagrar-se-á em seguida a pintar, não sem complacência, a confusão geral de sua geração, ampla matéria a dezenas de filmes. A única razão pela qual Acossado merece ser mencionado hoje em dia é que ele marca, com o caráter de um marco limiar, a entrada do cinema na era da perda de sua inocência e de sua magia natural. Entrada esta da qual um único filme não poderia ser tido como responsável, evidentemente. Depois de Acossado, o cinema, como que ferido de morte, será mais triste, menos criativo, mais consciente de si mesmo- self-conscious, como dizem os ingleses com uma discreta nuance pejorativa.
Nota: Uma grande parte da História da Nouvele Vague está ligada ao progresso da credulidade entre o público de cinema e no público em geral. Muitos se puseram a acreditar no que os cineastas diziam de seus filmes, e em seguida saíram repetindo por aí.Ora, a originalidade maior- esta sim incontestável- dos cineastas da Nouvelle Vague é que ninguém antes deles ousou falar tão bem de si e tão mal dos outros. Alguns exemplos, entre milhares. “ Sempre se acreditou que a Nouvelle vague era o filme barato contra o filme caro. Nada disso. Era simplesmente o bom filme, qualquer que fosse, contra o mau cinema”. “O seu cinema- dos cineastas que não pertenciam à Nouvelle Vague- era a total irrealidade. Eles estavam distantes de tudo ( coupés de tout).(...). Eles não viviam o seu cinema. Eu um dia vi Dellanoy entrar no estúdio de Billancourt com sua sacolinha: parecia que ele estava entrando numa companhia de seguros”. ( Pessoalmente, preferimos, com um certo recuo e mesmo sem nenhum recuo, a “sacolinha” de Dellanoy e alguns de seus filmes à toda obra de Godard). “Antes da guerra, entre, por exemplo, La belle equipe de Duvivier e La bête humaine de Renoir, havia uma diferença, mas apenas de qualidade. Enquanto que agora, entre um de meus filmes e um de Verneuil, Delannoy, Duvivier e Carné, há realmente uma diferença de natureza”. Estas afirmnações de Godard ilustram o que Freddy Buache chamou, com um pouco de exagero, “a arrogância fascista” da Nouvelle Vague, no Cahiers du Cinema 138 ( 1962). Remake americano Breathless ( 83) por Jim McBride, com Richard Gere e Valérie Kaprisky.
Jacques Lourcelles
Tradução: Luiz Soares Júnior.

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