sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

O túmulo indiano, Lang

Vinte e seis anos depois de sua partida da Alemanha, Lang retorna para dirigir esta obra testamentária que se beneficiou de um importante orçamento ( mais de quatro milhões de marcos). É um duplo retorno às fontes, geográficas primeiro, dramáticas em seguida, uma vez que O tigre de Bengala e O túmulo indiano são uma nova versão do roteiro escrito em 1921 com Thea Von Harbou e que Lang não pudera realizar então, devendo contrariado passar a realização às mãos de Joe May. No seu lançamento, esta nova versão suscitou numerosas polêmicas. Ela foi atacada não apenas pelos adversários permanentes de Lang ( até aí, nada de extraordinário), mas também por uma grande parte dos defensores do cineasta. Apenas uma minoria de admiradores o defendeu com fervor, e pouco a pouco o filme adquiriu o status de clássico. É preciso sem dúvida colocar a crédito de Lang essas polêmicas, que sempre teve o dom de, a cada etapa de sua carreira, espantar, intrigar, ou mesmo desorientar e desencorajar seus próprios fãs. A fidelidade que ele manifesta aqui a seu próprio universo é a mesmo tempo formal e filosófica. Como é usual em Lang, a substância do filme se desenvolve a partir de uma série de contradições internas que só podem se resolver na última perfeição estética da obra acabada: depuração obtida a partir de uma extraordinária riqueza de meios e de uma proliferação de peripécias; dinamismo perpétuo, resultante da imobilidade da câmera; mensagem filosófica destilada com o auxílio de uma trama desenho animado.
Nos personagens, triunfa a mesma dialética. A maioria dentre estes é movida por um objetivo único ( amor e fascinação erótica em Chandra, sede de poder em Ramigani, desejo de vingança em Padhu, etc), que preenche suas almas e seus corações até a plenitude ( trop-plein). Mas este trop plein ( plenitude, preenchimento total) é igualmente um vazio, pois esta retira de seu ser não apenas o resto da humanidade como também toda e qualquer forma de realidade que não aquela tomada por seu desejo. Do choque destas vontades múltiplas, que são como obsessões, jorra a trajetória da narrativa, semelhante, em seu rigor, simplicidade e sua absoluta lógica, a um teorema matemático.
Em Chandra, personagem-pivot do filme ( de fato, ele é o único herói da história), é quando a plenitude ( trop-plein) será aceita como vazio, ou seja, quando as paixões se aniquilarão na renúncia, que a serenidade poderá enfim fazer sua aparição. Mensagem que só aparentemente é positiva, pois implica a supressão do desejo, a abolição das paixões, a fim de que sobrevenha uma paz que possui algo de sepulcral ( ou, dirão os detratores, de absolutamente convencional). Esta paz é vista “ como que do fundo da morte”, segundo a expressão de Michel Mourlet. “ O que há de mais profundo nos filmes de Lang, escreve Morurlet, é uma certa maneira de olhar de muito distante, como que do fundo da morte, os homens, as mulheres, o assassinato e a fatalidade. Nestes quatro ou cinco últimos filmes, só distinguimos isso. Se não se capta este tom de eternidade, não se capta nada. O silêncio e o vazio”.
A bem dizer, o que chocou os primeiros detratores do Tigre de Bengala, e que eles detestaram ou até mesmo desprezaram na obra, é talvez exatamente a mesma coisa ( e seria esta algo bem languiano) que seus fãs admiraram: uma “genial inatualidade” que reduz o universo a alguns desejos monstruosos e contraditórios do homem, o amor prenhe do crime ( ou da vontade do crime) , a sede de poder prenhe da destruição, e a filosofia tornando-se ao fim esta inútil- mas fascinante- contemplação do Nada. Ás vezes, Lang exprimiu esta visão por meio de narrativas com alcance social ou político, e talvez tudo não passasse de um engodo. Aqui, em um serial, forma que representava para ele o alpha e o ômega de toda ficção, ele a destilou de forma nua e sem álibis.
Jacques Lourcelles, Dicionário de Filmes
Tradução: Luiz Soares Júnior.

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